Notícias

Nas milhares de mulheres do campo, das águas e das florestas, Margarida vive! De todos os cantos do Brasil, elas marcham em Brasília por justiça, igualdade e paz no campo e na cidade.

12 de agosto de 1983. Naquele dia, a mando de fazendeiros e pelas mãos de pistoleiros armados, Margarida Maria Alves seria assassinada na porta da sua casa, em frente ao marido e ao filho. Uma tentativa brutal de silenciar uma líder que ousou romper com os padrões de gênero e, por doze anos, presidiu o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, na Paraíba, denunciando o abuso e o descumprimento dos direitos de trabalhadoras(es) na região.

Passados quase 36 anos do crime, Margarida permanece viva, como símbolo de resistência, nas milhares de mulheres do campo, das águas e das florestas que, assim como ela, preferem viver da luta que padecer na submissão. Como não podia deixar de ser, o enfrentamento a todas as formas de violência é um dos eixos centrais de denúncia, debate e proposição que a Marcha das Margaridas 2019 traz.

Nas muitas formas em que se expressam e desde 2006 tipificadas pela lei Maria da Penha (Lei nº 11.340), como físicas, psicológicas, sexuais, patrimoniais e morais, as violências contra mulheres comprometem a liberdade e autonomia femininas. Articuladas a outras formas de opressão, discriminação e desigualdade, como as de raça, etnia, classe e orientação sexual, deixam marcas profundas na vida das mulheres, atingindo, de forma mais acentuada, as negras, indígenas, lésbicas, pobres, quilombolas e camponesas.

A violência ganha contornos sexistas quando atingem as mulheres pelo simples fato de serem mulheres, se caracterizando como qualquer conduta que discrimine, agride, maltrate ou obrigue as mulheres a fazerem algo (ou a deixarem de fazer). Um dos marcos legais de enfrentamento ao sexismo foi a tipificação do feminicídio (Lei 13.140/2015), transformando em crime hediondo - com maior reprovação e punição por parte do Estado -, assassinatos de mulheres decorrentes de violência doméstica e familiar e menosprezo ou discriminação à condição de ser mulher.

Como demonstram inúmeros estudos, apesar dos avanços legais, a escalada da violência permanece atingindo as mulheres de forma perversa, tanto no ambiente familiar, quanto nos espaços públicos e de participação política, seja nos locais de trabalho, nas cooperativas, nos sindicatos ou mesmo em igrejas, sendo das mulheres negras, os piores indicadores sociais e econômicos no Brasil.

Algumas expressões das violências contra mulheres rurais, negras e indígenas, no campo, na floresta, nas regiões ribeirinhas e nos quilombos, mesmo os equipamentos de atendimento à violência contra a mulher mais disponíveis, como as Delegacias da Mulher, estão muito longe de existir e, quando existem, não têm funcionárias(os) qualificadas(os) para atendimento, assim como também a mulher tem dificuldade de deslocamento.

Além das violências físicas, mulheres rurais enfrentam uma série de violências simbólicas e materiais, como a invisibilização e desconsideração de suas contribuições econômicas. Foram elas as mais afetadas pelo aumento da pobreza e extrema pobreza rural na América Latina entre 2007 e 2014 (FAO, 2019). Mesmo constituindo importante parte da força de trabalho das famílias e responsáveis por produzir mais da metade de todos os alimentos do mundo, apenas 30% são donas formais de suas terras, 10% conseguem ter acesso a crédito e 5% recebem assistência técnica (ONU BRASIL, 2017). Em geral, suas atividades não são suficientemente reconhecidas, sendo classificadas como “ajuda” ou “complemento” à família, o que limita seu acesso aos rendimentos e o poder de interferência sobre os rumos da produção e da comercialização, ainda sob domínio masculino.

Para Luiza Cavalcanti, mulher preta, agricultora agroecológica, educadora popular e ativista, é fundamental a compreensão de como a escravidão foi uma dimensão estruturadora da sociedade brasileira, fundada na exploração dos povos negros e indígenas, cujos reflexos permanecem incidindo sobre a vida das mulheres:

“Falar da violência que nos afeta é lembrar de tantas coisas… Das que nos precederam, de como nós fomos arrancadas de nossa ancestralidade, arrancadas da África, jogadas aqui para viver tantas violências… O navio negreiro, ser tratadas pior que qualquer tipo de animal e não como seres humanos… Como continuamos sendo tratadas ainda hoje, ora nas casas grandes, ora nas favelas verticais, nas ditas ‘casas de famílias’, como empregadas domésticas, como operárias de fábrica, como qualquer profissional... Sofrendo assédio sexual, moral, institucional e toda forma de violência que atinge nossos corpos".

“As mulheres são assassinadas todos os dias por aqueles que deviam amá-las e protegê-las". Luíza Cavalcante

De igual modo, Fran Paula, educadora da ONG Fase e do coletivo “Pretas da Agroecologia”, avalia que os reflexos da escravidão se manifestam de persos modos no dia a dia, “vão desde o genocídio da população negra, da juventude negra, do encarceramento em massa dessa população, do baixo acesso ao ensino público, às universidades. Os dados de pobreza e fome no Brasil escancaram o racismo refletido dessa sociedade”, considera.

Por isso, como defende Luíza, é essencial o reconhecimento de que os feminismos são plurais, de que há um feminismo preto e um feminismo indígena específicos e que precisam ser considerados e ouvidos.

“A gente compreende que é um trabalho que precisa ser feito, em todo e qualquer instante e em todo lugar, esse de empoderamento de nossas vozes, já que a gente viveu séculos de silenciamento. Sair desse lugar de silêncio não é fácil, dentro de um sistema em que o modelo de autoestima é branco, no qual quem tem poder de fala, de ser apresentado como pessoa, é uma pessoa branca... Enquanto a gente tiver um país negando a nossa identidade, a nossa ancestralidade, destruindo nossos símbolos religiosos e todas as violações acontecendo, é muito difícil haver superação. É preciso ocorrer uma reação popular negra e indígena muito grande, para que a gente mude a postura de um país construído com bases escravocratas, racistas, machistas, essas coisas ruins todas”, avalia.

Já para Fran Paula, se há o reconhecimento de que a sociedade é machista e racista, é preciso reconhecer que mulheres negras são duplamente violentadas, por sua condição de gênero e pela condição racial. “Desta forma, é importante que os movimentos sociais, os movimentos de luta que hoje atuam no Brasil tenham essa compreensão e incluam nas suas pautas, bandeiras de luta, eixos de atuação, ações que visam não só debater e refletir sobre os processos de violência das mulheres negras, mas sobretudo agir para superar os conflitos e violências sofridas por essas mulheres negras. E, ao pensarem projetos, modelos sustentáveis, igualitários para o país, reconheçam que a questão racial no Brasil é tão fundamental de ser priorizada quanto a luta de classes” reivindica.

“Os índices de violência contra mulheres só serão diminuídos com a redução da desigualdade de gênero, de raça e de outras formas de opressão contra mulheres”.

Denunciar para enfrentar
No contexto atual, de enorme retrocesso das conquistas alcançadas pela luta histórica das mulheres, milhares de Margaridas vão ocupar as ruas de Brasília, nos próximos 13 e 14 de agosto, pressionando o Estado Brasileiro a assumir a responsabilidade de garantir o bem-estar das mulheres. São algumas reivindicações: a garantia de equipamentos e recursos para o enfrentamento à violência no meio rural; a promoção de autonomia econômica para as mulheres; o fortalecimento das instâncias de participação social para avançar no enfrentamento à violência; o cumprimento exemplar da Lei Maria da Penha, combatendo as tentativas que visam fragilizar seu texto e aplicação; a educação de qualidade, que reconheça e respeite a persidade, debata as relações de gênero e construa valores antirracistas, de paz e não violência, de igualdade entre homens e mulheres e de respeito às pessoas LGBTs.

Rumo à Marcha das Margaridas 2019

A Marcha das Margaridas é uma ação protagonizada pelas mulheres, realizada pela CONTAG, Sindicatos e Federações filiadas à Confederação, e apoiada por várias organizações parceiras.


#MarchadasMargaridas2019
#MargaridasemMarcha
#NossomosaCONTAG
#Mulheres
#Rurais

FONTE: Comunicação Marcha das Margaridas 2019 - Angélica Almeida

 

Já imaginou um Brasil em que todas as famílias agricultoras tivessem direito à terra e à água, com liberdade e autonomia para plantar como quisessem? Agora imagina se essas mesmas famílias pudessem alimentar todo o país com comida de verdade, sem veneno, respeitando a vida e o meio ambiente. As mulheres do campo, da floresta e das águas acreditam que essa pode ser sim uma realidade e defendem que a agroecologia e a agricultura familiar são bases concretas de transformação para a nossa sociedade. É o que também acredita Irene Maria Cardoso, professora da Universidade Federal de Viçosa e grande referência da agroecologia no Brasil.

Nas últimas décadas tem sido difundida na sociedade a ideia de que não é possível produzir sem agrotóxicos. Nesse mesmo sentido, existe também um discurso de que a agroecologia não é capaz de produzir alimentos suficientes para alimentar o mundo. A professora Irene Cardoso argumenta que se existir uma pessoa no mundo capaz de produzir sem agrotóxicos, todas podem produzir. “É uma questão de aprender a fazer. Eu costumo dizer que quem não tem competência para fazer, tem que ter a humildade de aprender com quem sabe. Hoje existem inúmeros agricultores(as) no mundo que produzem sem veneno. É com eles que nós temos que aprender. Quem fala que não é possível produzir sem agrotóxico tem que falar assim: eu não tenho competência para produzir sem agrotóxico. Vários estudos mostram que a agroecologia tem potencial para alimentar o mundo, mas é preciso de apoio da sociedade”, afirma.

A agroecologia é um modo de vida e de produção que garantem a soberania e a segurança alimentar, que pressupõem o cuidado com os bens comuns, além de relações sociais, econômicas e políticas justas entre as pessoas e o respeito a todos os seres do planeta. Entretanto, além do apoio da sociedade, o acesso à terra e à água são imprescindíveis para que as famílias pratiquem a agroecologia. Num país de proporções continentais como o Brasil, as estatísticas demonstram que a concentração de terra ainda é altíssima. Para as mulheres do campo, da floresta e das águas a garantia do direito à terra é bandeira de luta central.

Se existem grandes latifúndios que não cumprem sua função social, enquanto inúmeras trabalhadoras e trabalhadores rurais não tem terra para morar e/ou trabalhar, a constituição prevê que é dever do Estado desapropriar essa terra e distribuí-la entre as famílias que precisam. Assim como a reforma agrária, a demarcação dos territórios tradicionais é também um direito constitucional que cumpre o importante papel de reparar a violência e injustiças vividas pelos povos indígenas e populações quilombolas ao longo da história. Ao lutar pela demarcação de suas terras, eles estão reafirmando o direito ao seu território ancestral, à preservação de suas culturas, modos de vida, rituais e tudo que os formam como povos.

Mas se o acesso à terra é um sonho inalcançado para muitos, para as mulheres é ainda mais inacessível. Considerando todas as propriedades de terra no Brasil, apenas 18,6% têm mulheres como titulares (Censo Agropecuário, IBGE, 2017) – o que reflete, além das desigualdades econômicas, uma sociedade que ainda acredita que terra e espaço de produção são direitos só dos homens. Ao longo da história, a pisão sexual do trabalho vem separando e hierarquizando trabalho de mulheres e homens. Nesse sentido, se na luta pela terra as mulheres são as mais prejudicadas, a dificuldade de acesso à água de qualidade amplia a sobrecarga de trabalho e as desigualdades que vivenciam. Em momentos de escassez, são elas que sofrem para buscar água para toda a família, mesmo que para isso seja necessário caminhar quilômetros, esperar em filas ou carregar litros de água na cabeça, enfrentando sol, chuva e até mesmo o medo da violência sexual. E mais uma vez, todo seu trabalho não é reconhecido.

O acesso à água potável é um dos graves problemas da atualidade. Estudos demonstram que as indústrias e o agronegócio são responsáveis pela maior quantidade de consumo e desperdício, sem contar a contaminação das águas por agrotóxicos e o plantio de monoculturas, como o eucalipto, que contribuem para o esgotamento dos lençóis freáticos. Outra questão fundamental é o impacto da mineração que, além de grandes consumidoras de água, com seu sistema de barragens produzem rejeitos que contaminam as águas utilizadas pelas comunidades. É diante deste cenário (e por entenderem que a água é um bem comum, e não uma mercadoria) que as mulheres do campo, da floresta e das águas denunciam esta apropriação privada e predadora dos bens comuns, reafirmando que é importante repensar a mineração, de forma soberana e popular, reconhecendo que o solo e a água do nosso país devem estar a serviço do povo.

As Margaridas seguem em marcha construindo alternativas para produção de alimentos saudáveis, pautando o respeite ao meio ambiente, as relações justas entre as pessoas, e um novo projeto de desenvolvimento para o Brasil a partir da agroecologia. Elas ainda defendem que a agroecologia só é possível com democracia, pois para que germine é necessário ter políticas públicas inclusivas, espaços de participação social e fortalecimento das redes, de forma a potencializar a ação dos sujeitos que produzem alimentos, como agricultoras (es) familiares, camponesas (es), mulheres, jovens, indígenas e quilombolas.

Quer saber mais sobre o tema, clica no caderno de debates da Marcha das Margaridas 2019 (POR TERRA, ÁGUA E AGROECOLOGIA AQUI

A Marcha das Margaridas 2019 é uma ação protagonizada por mulheres do campo, da floresta e das águas, realizada pela CONTAG, Federações e Sindicatos filiados à Confederação, e apoiada por 16 organizações parceiras.

FONTE: Comunicação Marcha das Margaridas 2019 - Vanessa Marinho

A Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Piauí (FETAG-PI), por meio da Presidente e Deputada Estadual (PCdoB) Elisângela Moura, da Secretária de Formação e Organização Sindical, Mazé Ribeiro, do Secretário de Política Agrícola, Elvis Veras e do Coordenado Polo de Teresina, Domingos Irineu, participou neste sábado (27) da X Feira da Agricultura Familiar do Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (STTR) do município de José Freitas.

O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São José do Piauí realizou na manhã desta sexta-feira (26), no seu Centro de Evento dos Trabalhadores Agricultores Familiares (CETAF), situado na localidade Buritizinho, uma comemoração ao Dia do/a Agricultor/a (comemorado nos dias 25 e 28 de julho) e uma assembleia geral extraordinária para tratar de assuntos de interesse da categoria.